Sou Dona da Minha Alma, da famosa anglicista Nadia Fusini, não é apenas a biografia de Virginia Woolf, mas um erudito e envolvente relato que, como ressarcimento à inexistente autobiografia da autora, apresenta a invenção da escrita da vida como uma aventura da alma.
Há um drama psicológico, uma angústia de viver, e Fusini mostra que a autora não cabe em seu próprio corpo: Woolf transborda, as palavras nascem machucadas, cheias de dor e verdade. Exatamente por esses motivos, uma das mais importantes características da literatura de Virginia Woolf é o fluxo de consciência – os monólogos internos dos personagens, quebrando o espaço-tempo, brincando com passado e presente, como se tudo fosse colocado no papel sem travas e limites. São descarregos da alma, vômitos da consciência, e, por isso, profundos, verdadeiros, viscerais e sem cortes.
Nadia Fusini apresenta um texto muito parecido com o de Woolf: Difícil, mas profundo. Uma leitura inteligente. Impossível apenas correr os olhos, é preciso mergulhar.
Biografia da escritora mostra que a vida lhe doía demais, e, por isso, só conseguia viver quando escrevia...
Para a inglesa Virginia Woolf (1882-1941), a literatura era mais que um exercício intelectual refinado. Era uma máquina de ressuscitar. Esse poder se evidencia em um de seus romances mais célebres, O farol, publicado em 5 de maio de 1927. Trinta anos antes, em um dia 5 de maio, ela perdera a mãe. Ao ler os originais, a irmã lhe disse: “É quase doloroso vê-la ressuscitar diante dos olhos”.
Quando a mãe morreu, Virginia tinha 13 anos. Só com dificuldade podemos falar em um exercício de memória. “Na qualidade de sua escrita se confirmava um quê de assustador e inquietante”, diz a crítica italiana Nadia Fusini na bela biografia Sou Dona da Minha Alma: O Segredo de Virginia Woolf (Bertrand Brasil, 420 páginas, R$ 45,00). “Como se o ato adquirisse faculdades mediúnicas; como se, para ela, escrever fosse um colóquio particular com os mortos.”
O segredo de Virginia não estava, só, na reconstrução do passado, mas também na assombrosa prospecção do futuro. Escreveu livros para antecipar o que o mundo poderia ser caso os homens fossem mais sensíveis e generosos. A literatura foi sua salvação. Nela, guardou sua alma. “Para dizer a verdade, Virginia recorre ao fingimento”, afirma Nadia. A vida lhe doía demais, e só conseguiu expressá-la – só conseguia viver – quando escrevia. Quando escrevia e mentia. No dia em que perdeu esse poder de reparação, perdeu também o rumo. Sem palavras, como poderia amar? Depois de se afastar de Vita Sackville, sua grande paixão, desinteressou-se das mulheres e dos homens. Desistiu de amar, embora conservasse o marido, Leonard. Reduziu seu mundo aos cães, às flores e à casa.
O encontro direto e sem nuances com o real a devastou. “O verão de 1936 foi um dos piores de sua vida”, escreve Nadia. “Passou manhãs de tortura, com dores de cabeça lancinantes, tormentos indefiníveis, sentimentos de absoluto desespero.”
Em estado de imersão bruta na realidade – como se o véu protetor da ilusão tivesse, em definitivo, se rasgado e ela estivesse exposta ao sol impiedoso do banal –, Virginia escreveu Os anos, livro que Leonard definiu como “estranho, interessante e triste”. Falava de sua mulher.
Nunca a literatura a levara a tal desnudamento. Sem o véu protetor das palavras – sem sua alma –, já não conseguia viver. O estranho é que o escreveu em estado de extremo torpor, que se parecia com um transe. Leonard não apreciou Os anos, mas a poupou dessa verdade. Ela pensou em queimar os originais. Retrato impecável de seu tempo, o livro mereceu enfáticos elogios.
A partir dele, Virginia se engajou nas questões feministas e nos debates públicos. Mas o mundo era insuportável, e agora ela não tinha mais as palavras. A partir daí, as palavras a lançavam contra o mundo. A mesma máquina que ressuscitava os mortos um dia a matou.
Até que, em 1941, talvez porque estivesse viva demais, e a ação da máquina a duplicasse em proporções absurdas, Virginia, não tolerando mais o peso do mundo e o desenrolar das horas, encheu os bolsos com duas grandes pedras e, aos 59 anos, com os passos lentos de quem leva uma criança para passear, entrou no Rio Ouse. A criança era ela. “Seu corpo era leve como uma pluma”, escreve Nadia. O mundo a massacrava, e só lhe restou fugir.Ainda hoje, muitos atribuem seu sofrimento a uma doença mental. Ela mesma, em 1925, depois de perder a consciência e passar um mês de cama, escreveu sobre isso em Sobre ficar doente. Em uma festa de aniversário da sobrinha Angélica, preparando-se para uma adaptação doméstica de Alice, de Lewis Carroll, escolheu encenar o papel de Lebre de Março, com um argumento devastador: “Visto que louca eu já sou”.
O curto-circuito acontecia, porém, em outro lugar. “Não podia escrever, não conseguia. Este foi o golpe decisivo”, diz Nadia. Afastada das palavras, despida de sua alma, Virginia abraçou o grande silêncio.
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2 comentários:
legal
Um Belo presente!
Maravilhoso seu blog. Tem presentinho pra vc!!
http://romancesdecoracao.blogspot.com/2011/05/meus-primeiros-selinhos.html
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